terça-feira, 30 de abril de 2013

poema do fim de abril

passam as luas
as paisagens
as ruas

os sonhos
muito mais interior do que as metades
passam os sonhos

nada
talvez uma frase de música
uma onda, um mar de longe
um olhar que se perdeu

vento vermelho
fim de abril
numa tarde inquieta e febril
a memória de um gemido
singular



Vincent van Gogh (Dutch, 1853-1890): Sprig of Flowering Almond Blossom in a Glass, 1888. Created in Arles, France. Oil on canvas, 24 x 19 cm. Van Gogh Museum, Amsterdam, Netherlands.


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Besta é tu?

Hoje me aconteceu uma coisa muito bizarra: estava na fila da agência dos correios, onde vou quase que diariarimente, quando entrou sujeito marombado vestindo uma camiseta Exército de Jesus, distribuindo panfletos para os demais. Muito educadamente, recusei o papel agradecendo - da mesma forma como agradeço e não costumo pegar filipetas de festa ou propaganda de quem compra ouro. Mas o cara tomou como ofensa a minha recusa, surtou, começou a rogar pragas bíblicas em voz alta em pleno correio e, ao ver que eu não ia reagir, pois imediatamente acionei o módulo cara de paisagem, ficou ainda mais revoltado. Não satisfeito com as pragas proferidas, o cara sentou numa cadeira atrás da minha e começou a entoar, em voz bem alta, hinos ao Senhor. Nessa altura, minha adrenalina já tinha ido a milhão, eu respirava fundo e lentamente, tentando contar pro meu corpo que estava tudo bem, mas o coração continuava disparado.. Respirando, esperei minha vez, fiz a postagem e saí da agência ainda com medo de que ele me abordasse na rua ou coisa assim...

Mesmo sendo eu uma pessoa espiritualizada e, acredito, protegida, conto aqui essa experiência que me causou um certo trauma, dei até uma choradinha depois... Um assalto? Sim, um roubo energético desestabilizador. "Só se você deixar" pondera minha consciência, mas no corpo e na energia, já aconteceu e não passa impune. Agora vou ter que ficar bem quietinha, rezar, tomar banho, tomar rescue, encontrar caminhos para reparar o prejuízo. Chorar com uma amiga? Pedir colo? Ouvir de Nossa Senhora o consolador "foi um só um susto, filhinha, já passou", pensar na voz da minha avó falando assim... Ouvir George Harrison, My Sweet Lord, deixar a melodia inundar a minha alma, recuperar a força, a leveza e o riso.

Não sei que Deus é esse que dá a um o direito de desrepeitar o outro.

O  Deus que eu conheço remove montanhas mas não importuna quem está na sua, trabalhando, sem fazer mal a ninguém. Não roga pragas. Não causa desassossego. O Cristo que eu conheço oferece a outra face e se compadece, em face da adversidade e da dor. Como diria Analu Prestes no espetáculo Emily, sobre a poeta Emily Dickinson: "Em nome da abelha, da vespa e da brisa, amém."

Hare Krishna,
Om Namah Shivaya,
Namastê.


 pátio em Amsterdam

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Mirror

I look in the mirror
And what do I see?
A strange looking person
That cannot be me.

For I am much younger
And not nearly so fat
As that face in the mirror
I am looking at.

Oh, where are the mirrors
That I used to know
Like the ones which were
Made thirty years ago?
 
Now all things have changed
And I'm sure you'll agree
Mirrors are not as good
As they used to be.

So never be concerned,
If wrinkles appear
For one thing I've learned
Which is very clear,

Should your complexion
Be less than perfection,
It is really the mirror
That needs correction!!

Edmund Burke (1729-1797), filósofo irlandês


Acho esse poema de uma belezura sem fim. Muito útil para todos os momentos em que não nos reconhecemos muito bem no querido amigo espelho...

Vou fazer uma tradução livre:

Espelho

Olho no espelho e o que vejo ali?
Uma pessoa estranha, não me reconheci.
Pois sou bem mais jovem e não tão gordinha
quanto o rosto que me olha, cara de fuinha!

Ah, me diz onde foram parar os espelhos em que eu costumava me olhar?
Como os que eram feitos antigamente..
Agora está tudo mudado, tenho certeza de que vai concordar:
Já não se fazem espelhos bons no presente.

Então não se preocupe se as rugas aparecerem
Pois uma coisa está clara e aprendi:
Se sua aparência for menos que a perfeição,
É o espelho que está precisando de correção!!

 

segunda-feira, 4 de março de 2013

Da morte e das vontades da vida

Nunca visito meus mortos no cemitério, porque acho simplesmente que eles não estão lá. Converso com eles em casa mesmo, as vezes andando na rua, vão no meu pensamento e no meu coração, afinal, é lá que de fato estão. Mas quando a minha irmã morreu, achei por bem plantarmos uma árvore pra ela no jardim da casa do meu pai, assim ela ficaria simbolizada como referência viva, até para que as filhas a pudessem visitar... Dei a ideia e meu pai achou bom, assim compramos um jasmim, cisma da minha cabeça - já imaginei o perfume sendo levado pela brisa da noite...

Sem nenhuma pompa mas com toda a circunstância, o jasminzinho foi plantado no dia do aniversário dela. Nos reunimos com essa finalidade, entre lágrimas, muitos risos e até um tombo! Meu pai e as meninas fizeram o plantio e a rega. Porém a vida - assim como a morte e a própria Janaina -  é de personalidade forte e tem lá seus caprichos: muito para o meu espanto, o jasmim morreu...

Mas aconteceu que tempos depois, meu pai recebeu, não sabe nem dizer de onde, uma muda de mamoeiro que foi plantada sem intenção de qualquer simbolismo, a poucos metros de onde havia sido plantado o jasmim: vicejou! O pézinho virou árvore, deu flor, e, esse ano, começou a dar muitos frutos lindos e deliciosos. Mamão bahia, Janaina Mamede. 

Veja você, minha irmã, mãe zelosa, não quis ser flor perfumosa, e sim alimento, fruta apetitosa. Café da manhã, fartura e gosto. E uma baita saudade.


botanical illustration 18th century


sábado, 2 de março de 2013

De outro mundo ou no mundo dos outros

Deus me livre de quem faz festa de criança com animador urrando no microfone!
Há em mim uma moradora muito antiga que anseia por passeios de charrete,
caminhos de terra batida e cheiro de seiva...
Gosta de sossego e de balanço, manso.
Bolo de fubá, café e simplicidade.
Nunca mais vi as joaninhas tão presentes na infância...
Será que estão em extinção?


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Ó que delícia!

Há muito não recebo um texto que me tocasse tão profundamente... Não sei de quem é a autoria, mas gostei tanto, tanto, que vou postar aqui:

 Tô Idoso
Eu nunca trocaria meus amigos surpreendentes, minha vida maravilhosa, minha amada família por menos cabelo branco ou uma barriga mais lisa. Enquanto fui envelhecendo, tornei-me mais amável para mim, e menos crítico de mim mesmo.
Eu me tornei meu próprio amigo. .. Eu não me censuro por comer biscoito extra, ou por não fazer a minha cama, ou pela compra de algo bobo que eu não precisava, como uma escultura de cimento, mas que parece tão "avant garde" no meu pátio. Eu tenho direito de ser desarrumado, de ser extravagante.
 

Vi muitos amigos queridos deixarem este mundo cedo demais, antes de compreenderem a grande liberdade que vem com o envelhecimento. Quem vai me censurar se resolvo ficar lendo ou jogar no computador até as quatro horas e dormir até meio-dia? Eu dançarei ao som daqueles sucessos maravilhosos dos anos 60&70, e se eu, ao mesmo tempo, desejo chorar por um amor perdido ... Eu vou. Vou andar na praia em um calção excessivamente largo sobre um corpo decadente, e mergulhar nas ondas com abandono, se eu quiser, apesar dos olhares penalizados dos outros no jet set. Eles, também, vão envelhecer.
Eu sei que às vezes esqueço algumas coisas. Mas há mais algumas coisas na vida que devem ser esquecidas. Eu me recordo das coisas importantes.

Claro, ao longo dos anos meu coração foi quebrado. Como não pode quebrar seu coração quando você perde um ente querido, ou quando uma criança sofre, ou mesmo quando algum amado animal de estimação é atropelado por um carro? Mas corações partidos são os que nos dão força, compreensão e compaixão. Um coração que nunca sofreu é imaculado e estéril e nunca conhecerá a alegria de ser imperfeito.
 

Eu sou tão abençoado por ter vivido o suficiente para ter meus cabelos grisalhos, e ter os risos da juventude gravados para sempre em sulcos profundos em meu rosto. Muitos nunca riram, muitos morreram antes de seus cabelos virarem prata. Conforme você envelhece, é mais fácil ser positivo. Você se preocupa menos com o que os outros pensam. Eu não me questiono mais. Eu ganhei o direito de estar errado. Assim, para responder sua pergunta, eu gosto de ser idoso. A idade me libertou. Eu gosto da pessoa que me tornei. Eu não vou viver para sempre, mas enquanto eu ainda estou aqui, eu não vou perder tempo lamentando o que poderia ter sido, ou me preocupar com o que será. E eu vou comer sobremesa todos os dias (se me apetecer).

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Gema e Clara

cozinhar é uma das mais puras formas de amor
em qualquer tempo
seja onde for
sem ser dar de bandeja

só sei ser verdadeira
passista primeira
do tipo que o mar serena
quando ela pisa na areia
não sou, mas ser ei a 
Ilustração Ana Oliveira